São 26 anos de pesquisas sobre a biologia e os indivíduos dessa espécie na região
Por Aline Cardoso – Ascom Ampa
Para monitorar a população e a saúde dos botos-vermelhos (Inia geoffrensis) que vivem na Reserva
de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá e seu entorno, a equipe do
Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia, realizou em janeiro a 26a
edição de captura para marcação e monitoramento dos botos do Mamirauá. A RDS (próxima
ao município de Alvarães e distante 661 km de Manaus, capital do Amazonas) é um
dos locais de atuação do Projeto Boto, executado pela Ampa em parceria com o
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC) e patrocinado pela Petrobras,
por meio do Programa Petrobras Ambiental.
A expedição foi coordenada pela pesquisadora do Inpa, Vera
da Silva, com o apoio de uma equipe formada por veterinário, biólogos e
pescadores.
Foram 27 botos capturados em nove dias de trabalhos intensos
e em condições bastante adversas. Do total apenas 3 fêmeas, duas delas com
filhotes, e 22 machos, um número elevado que chamou a atenção dos pesquisadores.
Nesse ano foi atingida a marca dos 703 animais marcados em 26 anos de pesquisas.
O que é o estudo
O boto-vermelho, ou
boto-cor-de-rosa, é o maior golfinho de água doce do mundo.
É um mamífero aquático que se
alimenta exclusivamente de peixes. Para conhecer melhor a espécie e desenvolver
estudos populacionais, é necessário reconhecer os indivíduos que compõem a população.
Por isso há a necessidade de capturá-los e marcá-los. Cada boto-vermelho recebe
uma marca única para o identificar no ambiente.
“Quando capturamos um animal, ele recebe uma marca criogênica única, feita com nitrogênio líquido. Ele é pesado, medido, sexado, é coletado material biológico (leite materno, sêmen, sangue e amostra de pele) e o devolvemos à natureza. A partir disso passamos a monitorar a vida desse indivíduo, verificando aonde ele vai, com quem e o que ele faz. Com isso montamos o quebra-cabeça da vida desse animal que mais tarde nos ajudará a interpretar certos comportamentos e os parâmetros biológicos da espécie”, afirma Vera da Silva.
Na RDS Mamirauá, as pesquisas com botos-vermelhos
são feitas há 26 anos e a população tinha um alto número de indivíduos. Com o
decorrer dos anos, esses animais foram continuamente avistados e monitorados,
inclusive por muitos serem residentes na área e viverem aproximadamente 40 anos
na natureza.
“De uns anos para cá começamos a notar que os botos que vínhamos marcando estavam desaparecendo da área de estudo. As informações davam conta que pescadores estavam matando esses animais para usá-los como isca. Nossos estudos estimam que a perda populacional de botos no Mamirauá e região do entorno foi em torno dos 50%, uma perda muito grande para um animal que demora a se reproduzir e tem um filhote a cada gestação”, conta Vera.
As ameaças à espécie
O boto-vermelho está no topo da
cadeia alimentar e não possui predadores naturais. Alguns em potencial seria o
jacaré ou a onça, caso esteja ferido ou debilitado, mas de um modo geral ele
não tem predadores. O único predador direto é o homem e suas redes de pesca,
pois tanto o boto quanto os homens
buscam nos rios o mesmo recurso: os peixes.
Dois fatores decorrentes da ação
humana ameaçam a espécie: a captura acidental em redes de pesca e a utilização
do boto como isca para a pesca da piracatinga, também chamada de mota ou
douradinha, um peixe que após beneficiamento possui grande apelo comercial.
A pesca da piracatinga diminuiu a
população de botos a cada ano nas últimas duas décadas. Devida a alta taxa de
mortalidade detectada para esses golfinhos, em 2015, o Ministério do Meio
Ambiente e o Ministério da Pesca estabeleceram uma moratória proibindo a pesca da
piracatinga no Brasil, a fim de conhecer mais sobre a espécie e analisar o
estado real da população de botos na região.
“Em janeiro de 2020 a moratória
chegou a fim e voltou a possibilidade de pescar a piracatinga. Mas com que
isca? Não foram feitos estudos conclusivos para que se produzisse ou
distribuísse iscas alternativas, nem resultados robustos sobre o estado das
populações de botos nos rios da região. Isso faz com que os botos fiquem
novamente à mercê das capturas direcionadas para servirem de isca se não houver
medidas de fiscalização e de controle pelos órgãos ambientais”, comenta a
pesquisadora. E conclui: “O que os órgãos de pesca e os interessados na pesca
da piracatinga fizeram no período da moratória para garantir que botos e
jacarés nao serão utilizados para isca?”
O boto-vermelho é um animal protegido por Lei Federal. É proibido ameaçar, caçar, capturar ou molestar qualquer espécie de mamíferos aquáticos em águas brasileiras, tanto marinhos quanto fluviais.
Como é feita a captura
Uma equipe de pescadores
experientes faz o reconhecimento do local e escolhe os pontos de captura com
base na profundidade e correnteza da água. Possíveis pontos de fuga por onde os
botos possam passar são cercados com o auxílio de redes de pesca construídas
para esse fim.
Neste ano o time contou com dez
integrantes experientes, liderados pelo também pescador Ediney Lemos, que
participa da captura há 18 edições. “Ao amanhecer nós avistamos os pontos onde
os botos estão mais presentes e escolhemos esse local para por a rede de pesca
de maior tamanho. E vamos cercando com redes menores até conseguir isolar o
animal, puxá-lo para a voadeira e levá-lo para a base onde é feita a biometria
e coleta de material biológico.”
Com quase duas décadas de
experiência na captura dos botos, Lemos relata que todo ano traz um fator
diferenciado, mesmo que o modo de trabalhar seja o mesmo. “O número de botos
capturados sempre varia, por exemplo. Às vezes pegamos mais fêmeas, mais animais
jovens ou mais botos não marcados. Neste ano capturamos mais machos e, pelo
nível elevado de água, o trabalho ficou mais desafiador por não haver tanta
terra firme de apoio”, conta.
Neste ano a captura contabilizou 27 botos. Dos quais apenas 11 eram marcados, ou seja, já haviam sido capturados em anos anteriores e fazem parte do catálogo de estudos. Os 16 restantes eram botos não marcados, e que ainda não estavam incluídos nos registros do Projeto Boto e que agora serão monitorados pela equipe do Projeto.
Educação ambiental no turismo ecológico
Os pesquisadores e bolsistas, que
moram no flutuante Boto Vermelho, a base do Projeto, e atuam no monitoramento dos
animais marcados, ministram semanalmente palestras para os turistas que visitam
a Reserva Mamirauá.
Durante a atividade se fala sobre os
objetivos do Projeto, a biologia animal, sua importância para o ecossistema e a
problemática que paira sobre a espécie, além de mostrar como o Projeto atua na
região e os resultados das pesquisas desenvolvidas pelo grupo.
Para Mauricéia de Oliveira, diretora de escola e integrante do grupo de turistas que visitam a região, este é um trabalho necessário para despertar o sentimento de cuidado e o entendimento sobre a importância da conservação da fauna, e também da flora, amazônica.
“Quando há o entendimento sobre a vida dos animais e como os impactos estão ferindo sua existência, é possível traçar estratégias para prolongar a vida deles. Eu tinha alguma noção sobre as ameaças aos mamíferos aquáticos da região, mas hoje consegui entender a situação como um todo. Sabemos que muitas espécies estão ameaçadas pelas ações predatórias dos humanos, como a do boto-vermelho e outros da região, então eu acredito muito nas iniciativas de conservação, como esta do Projeto Boto”, afirma Mauricéia, que é de Jundiaí (SP).
Sobre o Projeto
O Projeto Boto foi
criado em 1994 com o objetivo de aumentar o conhecimento e monitorar o
comportamento dos botos-vermelhos e tucuxis na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) Mamirauá e seu entorno.
Desde 2010, a Petrobras patrocina estas ações por meio do Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia. Diariamente os pesquisadores saem em busca de botos marcados, na Reserva e seu entorno, para fotografar e monitorar cada boto avistado. A foto auxilia no processo de identificação dos animais e permite dizer quem está fazendo o que, e com quem, e onde. As informações obtidas são inseridas em um banco de dados e são a base para as pesquisas sobre esses animais.